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quinta-feira, 20 de outubro de 2016

História da Era Apostólica - A lição do arado

 

“O ato de seguir a Jesus não é definido como a sensação de uma luz interior, ou a percepção de uma consciência intelectual, mas é comparado com a execução de uma tarefa criativa, consumidora e ativa, como a de colocar a mão no arado e dirigir uma junta de bois.”

HAROLDO DUTRA DIAS

Narra o Evangelho de Lucas a pitoresca história do impetuoso candidato a discípulo, cuja lealdade estava divida entre a obediência aos padrões culturais da sua época e o suave jugo do Cristo:

Disse também outro: Senhor, eu te seguirei, mas permita--me despedir-me dos que estão em minha casa.
Jesus, porém, lhe disse: Ninguém que põe sua mão no arado e olha para trás é apto para o Reino de Deus. (Lucas, 9:61-62.)

Muitos intérpretes salientam que o “despedir-se” da família, no mundo oriental, implicava o pedido de permissão para partir. A autoridade dos genitores, sobretudo a do pai, era suprema, motivo pelo qual a pessoa que partia precisava pedir permissão a quem ficava.

Quando alguém iniciava um novo empreendimento, costumava visitar seu pai na aldeia a fim de lhe pedir a bênção e a permissão para o cometimento, ainda quando se tratasse de um homem independente.

No caso em exame, o candidato condicionava sua adesão ao Cristo à aprovação dos pais, ou seja, buscava conciliar a exigência social da sua época com a convocação espiritual do Mestre.

Em resposta à sua súplica, Jesus estabelece um programa árduo, mostrando que a tarefa de segui-lo exige concentração, dedicação e abnegação.
Arar a terra na Palestina do primeiro século envolvia um conjunto complexo de providências. Joaquim Jeremias salientou algumas delas:

[...] O arado palestino, muito leve, é guiado com uma só mão. Esta mão, geralmente a esquerda, precisa ao mesmo tempo conservar o arado na posição vertical, regular a sua profundidade mediante pressão, e levantá- lo por sobre pedras e rochas que estejam em seu caminho. O arador usa a outra mão para guiar o boi teimoso com um aguilhão com cerca de um metro de comprimento, provido de uma ponta de ferro. Ao mesmo tempo ele precisa ficar olhando continuamente entre as pernas traseiras do animal, para não perder o sulco de vista. Esta forma primitiva de arado requer destreza, atenção, e concentração. Se o arador olhar para os lados, um novo sulco é aberto fora da linha. Desta forma, quem quiser seguir a Jesus precisa estar resolvido a quebrar os laços com o passado, e fixar os olhos apenas no Reino vindouro de Deus [...].2

Não bastasse a dificuldade de manejo do arado, o processo de aragem do campo desdobrava--se em múltiplas atividades, tornando a tarefa muito mais exigente do que se imagina à primeira vista:

[...] A aração era cuidadosa e minuciosa; logo que se quebrava o restolho depois da colheita, abriam-se sulcos com margens largas entre eles, para facilitar a absorção das chuvas. Ao arar, depois das primeiras chuvas, sulcos mais próximos, divididos por canteiros, eram abertos para propiciar a drenagem; só na terceira aração, antes da semeadura, os sulcos eram feitos consecutivamente, sem canteiros entre eles. O trabalho final era o de cobrir a semente... esse implemento era maior e mais pesado do que o moderno arado árabe, que em geral se parece com ele [...].3

Kenneth Bailey, após ter vivido 47 anos em comunidades agrícolas do Oriente Médio, pesquisando os aspectos culturais e literários que estão por trás dos textos do Novo Testamento, afirma:

[...] É claro que a aração era uma operação muito exata, iniciando-se com a abertura de estrias para a absorção da água. Em um estágio posterior, os sulcos eram feitos de forma a permitir a drenagem. Uma terceira aração preparava o solo, e uma quarta cobria a semente depois do plantio. Obviamente qualquer pessoa que desejasse desincumbir-se de uma responsabilidade destas precisava dar atenção irrestrita ao que estava fazendo [...].4

Refletindo acerca da lição do arado, é forçoso concluir que o arador distraído poderá bater com o arado em uma rocha, quebrar sua ponta de madeira, cansar inutilmente a parelha de animais, cortar, sem rumo, o campo não arado, ou destruir o trabalho já realizado. Em suma, o arador deve equilibrar o serviço feito, o que está por fazer, e aquele que está sendo realizado, já que qualquer distração tornará sua ação não apenas improdutiva, mas também destruidora.
No tocante ao símbolo do arado, é valioso o ensino de Emmanuel:

O arado é aparelho de todos os tempos. É pesado, demanda esforço de colaboração entre o homem e a máquina, provoca suor e cuidado e, sobretudo, fere a terra para que produza. Constrói o berço das sementeiras e, à sua passagem, o terreno cede para que a chuva, o Sol e os adubos sejam convenientemente aproveitados.

É necessário, pois, que o discípulo sincero tome lições com o Divino Cultivador, abraçando-se ao arado da responsabilidade, na luta edificante, sem dele retirar as mãos, de modo a evitar prejuízos graves à “terra de si mesmo”.
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Um arado promete serviço, disciplina, aflição e cansaço; no entanto, não se deve esquecer que, depois dele, chegam semeaduras e colheitas, pães no prato e celeiros guarnecidos.5

O servidor do Cristo conhece o cansaço, jamais o desânimo. Conhece o peso e a rotina do arado, mas aprende no trabalho de cada dia que a disciplina não é um cárcere, é a chave da porta, como dizia Chico Xavier.

Fonte: Reformador  Ano 126 • Nº 2. 157 • Dezembro 2008

1BAILEY, Kenneth E. Through peasant eyes. Michigan: Eerdmans Publishing Company, 1983. Cap. 2, p. 32.
2JEREMIAS, Joaquim. As parábolas de Jesus. 9. ed. São Paulo: Editora Paulus, 2004. Parte III, cap. VI, p. 196.
3APPELEBAUM. The jewish people in the first century, apud BAILEY, Kenneth E. Through peasant eyes. Combined  Edition. Michigan: Eerdmans Publishing Company, 1983. Cap. 2, p. 30.
4BAILEY, Kenneth E. Through peasant eyes. Combined Edition. Michigan: Eerdmans Publishing Company, 1983. Cap. 2, p. 30.

5XAVIER, Francisco Cândido. Pão nosso. Pelo Espírito Emmanuel. 29. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2007. Cap. 3.

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