quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

A PESQUISA CIENTÍFICA ESPÍRITA


Questões acerca da natureza do Espiritismo - VII

Silvio Seno Chibeni

Encerrando a série, o presente artigo ressalta a necessidade de se prosseguir no desenvolvimento das pesquisas científicas espíritas ao longo das linhas traçadas pelo próprio programa espírita de investigação iniciado por Kardec, em integração com os outros aspectos do Espiritismo.[1]

Questão:

Algumas pessoas alegam que a ênfase religiosa tem prejudicado os aspectos científicos da doutrina, propondo um “Espiritismo não-religioso” ou “laico”. Dizem que a pesquisa espírita tem sido relegada a segundo plano, ou que praticamente não existe. O que caracterizaria uma pesquisa científica espírita? Seria um ramo separado da ciência ou uma postura diferenciada dentro dos ramos atuais? O que poderia ser feito para incentivar o desenvolvimento dessa pesquisa?

Resposta:

Como foi ressaltado no terceiro artigo desta série, a genuína religião está na busca e cultivo de princípios morais capazes de nos colocar em harmonia com o plano da Criação, transformando-nos gradualmente em seres felizes que espalham felicidade ao seu redor. Assim entendida, a religião integra-se naturalmente à ciência espírita, pois que é esta que determina as conseqüências globais das ações humanas a curto e longo prazos, formando a base experimental sobre a qual a razão operará para identificar os preceitos de conduta que nos aproximem da felicidade. Ver, portanto, antagonismos ou tensões quaisquer entre a religião e a ciência espíritas constitui evidência de pouco estudo e pouca reflexão sobre a verdadeira índole do Espiritismo.

Infelizmente, o despreparo e os atavismos de muitos indivíduos que colaboram de boa vontade nas fileiras espíritas fazem com que certas práticas pouco condizentes com a pureza doutrinária se implantem em diversas instituições, e acabem mesmo divulgadas em palestras, livros e periódicos ditos espíritas. Quem compreende essa situação deve trabalhar para modificá-la. Mas a via para isso é a do esclarecimento, do estudo, do convencimento pela razão e pelo amor, jamais os anátemas ou, o que é ainda pior, o repúdio daquilo que se supõe ser o “aspecto religioso do Espiritismo”.

É provável, aliás, que essa “rejeição do bebê com a água do banho” tenha pesado muito no declínio e virtual extinção do movimento espírita em países europeus a partir, digamos, do início do século. Não se pode mutilar um corpo doutrinário integrado, como o é o Espiritismo, sem arcar com efeitos drásticos, seja qual for a área em que o tenhamos atingido. (Em movimento oposto ao indicado na questão, pode-se querer desprezar as bases científicas do Espiritismo, e as conseqüências não seriam melhores.)

A esse respeito, são expressivas as palavras do presidente da Union Spirite Française et Francophone, Roger Perez, em recente entrevista concedida ao jornal paranaense Universo Espírita (ver referências). Perguntado sobre se teria uma explicação para o quase desaparecimento do movimento espírita na França (até sua recente renovação), inicia sua lúcida e firme resposta nestes termos (o destaque é meu): “Sim. Há uma muito simples. Quando o Espiritismo não é aplicado com as regras ditadas por Allan Kardec, ele morre.”

Quanto à pesquisa científica espírita, acredito que sua natureza já tenha sido salientada indiretamente nos artigos precedentes desta série. Em artigo publicado em 1991 sob o título “A ciência espírita” abordo explicitamente o tema, ainda que de forma breve, lembrando que constitui equívoco imaginar que essa pesquisa deva dar-se nas mesmas instituições e com os mesmos métodos e pressupostos teóricos que os das ciências da matéria. O reconhecimento desse ponto seria de suma importância hoje em dia, quando se nota uma inclinação de muitos espíritas na direção de linhas de pesquisa científica e filosoficamente primitivas relativamente à do genuíno Espiritismo.

A afirmação de que não se têm realizado pesquisas científicas espíritas parece resultar de uma compreensão deficiente do que sejam a ciência e o Espiritismo. Após as fundamentais realizações de Allan Kardec, que instituíram o paradigma científico espírita, outros investigadores encarnados e desencarnados prosseguiram em sua extensão, não necessariamente em laboratórios acadêmicos, porque não é aí que os fenômenos relativos ao espírito podem mais apropriadamente ser estudados, mas nos centros espíritas, no recesso dos lares, no mundo espiritual e onde quer que se possa observar e refletir sobre a face espiritual do ser humano.

Gosto de dar como exemplos de pesquisadores espíritas André Luiz, Philomeno de Miranda e Yvonne Pereira, dentre tantos outros, que, num trabalho silencioso e fecundo, enriqueceram o acervo de informações e reflexões sobre os fenômenos anímicos e mediúnicos, as condições da vida no plano espiritual, a lei de causa e efeito, etc. Quem ler suas obras apenas superficialmente, ou com inadequado senso científico, tenderá a ver nelas apenas romances, historietas e narrações literárias, quando na realidade seu objetivo primordial é bem outro.

No referido artigo, aponto, a título ilustrativo e de modo muito esquemático, algumas áreas importantes de investigação espírita. Transcrevo aqui a lista, com adaptações: [2]

Evolução do espírito: o elemento espiritual dos seres dos reinos inferiores, origem dos espíritos humanos, encarnação e reencarnação, pluralidade dos mundos habitados.
O mundo espiritual: constituição, leis que o regulam, interação com o mundo material.
Interação espírito-corpo: perispírito, efeitos psicossomáticos, mediunidade.
Implicações morais (uma área científica e filosófica): livre-arbítrio, lei de causa e efeito.
Em suma, o incentivo e incremento das pesquisas científicas espíritas deve principiar com a identificação e o abandono de abordagens incipientes ou pseudo-científicas, prosseguir com a adesão às linhas de pesquisa paradigmáticas da doutrina, e passar ao estudo filosófico das conseqüências da ciência espírita para a questão de nosso acerto com as normas morais evangélicas, sem o que essa ciência se tornará estéril.

Referências:

(Os dois primeiros artigos encontram-se, ao lado de outros acerca de temas correlacionados, disponíveis no site do Grupo de Estudos Espíritas da Unicamp: http://www.geocities.com/Athens/Academy/8482.)

CHAGAS, A. P. “As provas científicas”, Reformador, agosto de 1987, p. 232-33.
CHIBENI, S. S. “Ciência espírita”, Revista Internacional de Espiritismo, março 1991, p. 45-52.
PEREZ, R. Entrevista concedida a Universo Espírita, ano 3, n. 30, dezembro 1998, p. 4-6.

Notas

[1] O conteúdo do texto corresponde, com algumas adaptações, a parte de entrevista concedida por mim ao GEAE (Grupo de Estudos Avançados de Espiritismo), pioneiro na divulgação do Espiritismo pela Internet. A entrevista foi publicada no Boletim n. 300 (edição extra), que circulou em 7/7/1998, podendo ser encontrado no site http://www.geae.org. Gostaria de agradecer ao GEAE a anuência para o aproveitamento do material nesta série de artigos. Sou especialmente grato aos seus membros Ademir L. Xavier Jr., pela iniciativa da entrevista, e Carlos A. Iglesia Bernardo, por haver reunido as relevantes e oportunas questões.
[2] “Ciência espírita, p. 49-50. Note-se que não incluí o tópico “comprovação da existência do espírito”, pela razão exposta na segunda parte do artigo precedente: trata-se de uma questão já resolvida, preliminar ao Espiritismo propriamente dito, e na qual não devem as investigações estacionar. Para esse ponto, ver também o artigo “As provas científicas”, de Aécio P. Chagas.

Artigo publicado em Reformador, janeiro de 2000, pp. 24-25.


Leitura  Recomendada;

AS PROVAS CIENTÍFICAS
CIÊNCIA ESPÍRITA
ALGUMAS ABORDAGENS RECENTES DOS FENÔMENOS ESPÍRITAS
AS RELAÇÕES DA CIÊNCIA ESPÍRITA COM AS CIÊNCIAS ACADÊMICAS
A “CIÊNCIA OFICIAL”
A RELIGIÃO ESPÍRITA
REVISÃO DA TERMINOLOGIA ESPÍRITA?
O ESPIRITISMO EM SEU TRÍPLICE ASPECTO: CIENTÍFICO, FILOSÓFICO E RELIGIOSO 1
POLISSEMIAS NO ESPIRITISMO
AS ACEPÇÕES DA PALAVRA ‘ESPIRITISMO’ E A PRESERVAÇÃO DOUTRINÁRIA
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES OPORTUNAS SOBRE A RELAÇÃO ESPIRITISMO-CIÊNCIA
POR QUE ALLAN KARDEC?
O PARADIGMA ESPÍRITA
A EXCELÊNCIA METODOLÓGICA DO ESPIRITISMO
http://espiritaespiritismoberg.blogspot.com.br/2015/01/a-excelencia-metodologica-do-espiritismo.html

ALGUMAS ABORDAGENS RECENTES DOS FENÔMENOS ESPÍRITAS


Questões acerca da natureza do Espiritismo - VI

Silvio Seno Chibeni

Neste artigo analisa-se breve-mente o estatuto científico de algumas abordagens recentes de investigação de fenômenos espíritas.[1]

Questão:

A transcomunicação instrumen-tal, o fenômeno de quase-morte e a terapia de vidas passadas, que surgiram recentemente  omo novos campos de estudos, investigam fenômenos que representam desafios para as concepções cientificas vigentes. Dentro da filosofia da ciência, qual seria a postura adequada a ser seguida no seu estudo? Alguns espíritas têm participado individualmente do desenvolvimento dessas pesquisas. Seria recomendável um engajamento das instituições espíritas? Haveria justificativa para algo como um comitê de investigação patrocinado por uma federação ou um conselho espírita?

Resposta:

Parte 1

A análise do estatuto científico das três áreas de investigação mencionadas deve ser precedida de algumas considerações filosóficas gerais, complementares às tecidas nos artigos anteriores. Na segunda parte do artigo (que não fez parte da entrevista ao GEAE) farei alguns breves comentários particulares sobre cada uma delas.

A abordagem científica de qualquer classe de fenômenos requer o cumprimento de uma série de condições. Não há espaço aqui para enumerá-las. Poderia destacar, no entanto, que o desenvolvimento de uma disciplina científica pressupõe não apenas a observação rigorosa dos fatos, mas principalmente a formulação de teorias logicamente consistentes, abrangentes, coerentes, simples e integradas às teorias estabelecidas de domínios conexos de fenômenos. Insisto nesse ponto porque a falha metodológica mais comum nas linhas de investigação que têm pretendido, sem sucesso, suplantar o Espiritismo em nome da cientificidade é exatamente a desatenção ao aspecto teórico. Aliás, como já indiquei em alguns dos artigos mencionados na lista bibliográfica, isso parece ser uma herança indesejável das concepções antigas de ciência, de cunho positivista. (Consultem-se também, a esse respeito, os textos de Aécio Chagas.)

O que efetivamente tem sido publicado com relação às aludidas abordagens não alivia a suspeita de que as falhas de concepção científica que caracterizaram a metapsíquica e a parapsicologia não foram definitivamente superadas. Não se pode, evidentemente, generalizar; mas que há um risco potencial aqui, há. Seria sensato que os investigadores interessados nesses fatos, ou alegados fatos, desenvolvessem seus estudos a partir do fértil e seguro programa científico de pesquisa espírita, pois que nunca se apontaram razões ponderáveis para a sua substituição. Ao invés disso, avança-se explicita ou implicitamente que serão essas e outras linhas de pesquisa assemelhadas que finalmente colocarão o estudo do espírito na rota da ciência ...

Quanto ao engajamento de instituições espíritas, com a constituição de comissões, não parece recomendável, não apenas em vista das reservas expressas acima, mas também porque tal prática não mais condiz com a ciência, devendo ser deixada para partidos políticos, administradores e seitas hieraquizadas. Na ciência, e portanto no Espiritismo, a regra do jogo é o livre-exame, o intercâmbio de idéias, a sujeição de todas as propostas à mais vigorosa crítica. Que cada um, pois, investigue o que achar melhor, já que todo fato tem uma certa importância para o nosso conhecimento do mundo; previna-se, no entanto, de assumir certas teses filosóficas sobre a cientificidade desse ou daquele método, dessa ou daquela disciplina, sem o necessário respaldo em estudos profissionais.

Parte 2

Sem pretender fazer plena justiça à complexidade do assunto, indico agora de forma muito sucinta aquilo que me parece mais importante na análise particular de cada uma das abordagens mencionadas na questão.

Comecemos pela chamada “transcomunicação instrumental” (TCI). Relembrando o que foi visto no artigo anterior, o objeto de estudo do Espiritismo é o elemento espiritual. Portanto ele não é da alçada das ciências acadêmicas. Segundo a concepção contemporânea de ciência, o Espiritismo é científico devido às características estruturais de sua teoria e o modo pelo qual se relaciona com os fenômenos: malha teórica hierarquizada, coerente e simples, em simbiose com a totalidade dos fenômenos, acoplada a regras metodológicas de preservação das leis básicas e de desenvolvimento da teoria.

Conforme Kardec apropriadamente notou em diversos lugares, o estabelecimento dos princípios fundamentais do Espiritismo prescinde de análises quantitativas, e portanto de aparelhos. O mero emprego de aparelhos não assegura a cientificidade de nenhuma disciplina. Só são usados nas ciências ordinárias porque não há outro recurso para a detecção de certas entidades e aspectos do mundo material. No entanto, deve-se lembrar que seu uso diminui o grau de confiabilidade epistêmica: quando possíveis, as observações sem aparelhos são sempre mais seguras.

Ademais, quando se trata de uma área de investigação nova o apelo indiscriminado a aparelhos pode encobrir deficiências metodológicas, dando uma falsa impressão de cientificidade. Para uma análise um pouco mais extensa desses tópicos complexos, do âmbito da epistemologia (teoria do conhecimento), remeto o leitor aos três primeiros textos de minha autoria da lista bibliográfica, assim como aos artigos de Aécio Chagas nela citados.

Desse modo, à luz de uma análise epistemológica rigorosa o cerne da alegada justificativa de se usar aparelhos para a comprovação da existência do espírito fica comprometido. Aliás, como também comento no artigo “Ciência espírita”, a investigação dessa questão não constitui tópico de pesquisa propriamente espírita, já que, em boa razão, quem estiver em dúvida sobre a existência do espírito ainda não será espírita. O Espiritismo alcançou a certeza sobre isso nos primórdios de seu desenvolvimento, e por meios epistêmica e cientificamente irretocáveis. É claro que aqueles que deixaram de estudar essas origens, os fatos e a teoria espírita, e ainda não se convenceram, têm o direito de investigar a questão como melhor lhes pareça, correndo os riscos peculiares à metodologia que escolham.

Cumpre agora notar que segundo a teoria espírita os alegados fenômenos de TCI são possíveis. A se comprovarem, serão mais uma modalidade de fenômenos de efeitos físicos. Neste caso, a evidência que poderão fornecer necessariamente será menos confiável do que a obtida pelos fenômenos de efeitos físicos mais simples (sons diretamente perceptíveis, movimentos de objetos, etc.), que a seu turno são menos confiáveis do que os fenômenos de efeitos intelectuais, conforme ressaltou Kardec em diversas de suas obras.

Ainda segundo constatou Kardec, nos fenômenos de efeitos físicos o Espírito nunca atua diretamente sobre a matéria: precisa sempre do concurso de um médium (que pode nem saber que está participando da ocorrência). Kardec desenvolve interessante teoria acerca das manifestações físicasnocap. IV da segunda parte de O Livro dos Médiuns. Sobre o papel do médium na produção desses fenômenos, ver também nessa obra os parágrafos 74 (itens 8 e 9) e 223 (questões 9 e 9a). Assim, uma outra justificação dada para as investigações de TCI ­­­– a possibilidade de se dispensarem os médiuns – não encontra respaldo doutrinário.

Análise da literatura sobre a TCI em diversas ocasiões infelizmente evidencia não apenas desatenção para com os aspectos filosóficos e teóricos apontados acima, mas também pouco rigor científico. Sons confusos e imagens grotescas são dados como evidência ou mesmo prova, expondo os pesquisadores ao ridículo nos meios acadêmicos (conforme, aliás, se constatou recentemente em programa televisivo brasileiro). Em um esforço desesperado, até mesmo prováveis fraudes têm sido produzidas e divulgadas, num atentado aos princípios éticos que deveriam nortear tais estudos. Isso tudo parece confirmar as observações de Kardec de que os fenômenos de efeitos físicos são mais comumente produzidos por Espíritos inferiores em saber e moralidade.

Não me alongarei sobre esse tópico, dado que existem excelentes análises publicadas na imprensa espírita. Recomendaria, em particular os artigos de Ademir L. Xavier Jr. e Josué de Freitas incluídos nas referências bibliográficas.

Assim como os fenômenos de ação dos Espíritos sobre objetos inanimados, os chamados “fenômenos de quase-morte” apresentam potencial interesse para a investigação do elemento espiritual do ser humano. E tanto em um caso como no outro a contribuição experimental e teórica do Espiritismo não deve ser desconsiderada. Ele fornece um arsenal de informações e métodos valiosos para o exame da questão, tendo já podido penetrar muito além do mero registro e catalogação dos relatos empíricos. A renúncia em aproveitar suas contribuições representa prejuízo certo para a interpretação e controle científicos dos fatos.

Mais uma vez, é o que infelizmente vem ocorrendo com freqüência. Nos estudos não-espíritas dos casos notam-se amiúde limitações diversas, entre as quais destacaria a falta de recursos rigorosos de avaliação, que permitam separar de modo seguro as várias causas possíveis dos fenômenos: fisiológicas, anímicas e espirituais. À luz do conhecimento espírita, o alto grau de uniformidade dos relatos (luzes, seres vestidos de branco, “túnel”, etc.) é indicativo da preponderância de fatores dos dois primeiros tipos, já que sabemos das lamentáveis condições em que vive e desencarna a maioria dos habitantes deste planeta.

Conforme ressaltam os filósofos da ciência contemporâneos, é somente uma teoria sólida e bem estruturada que confere fertilidade experimental e interpretativa ao estudo dos fenômenos. Kardec notou o ponto mesmo em sua época, conduzindo suas investigações num processo integrado de teoria e experimentação. Comentando essa questão filosófica no parágrafo 29 de O Livro dos Médiuns, observa:

Podemos dizer que, para a maioria dos que não se preparam pelo raciocínio, os fenômenos materiais quase nenhum peso têm. Quanto mais extraordinários são esses fenômenos, quanto mais se afastam das leis conhecidas, maior oposição encontram e isto por uma razão muito simples: é que todos somos levados naturalmente a duvidar de uma coisa que não tem sanção racional. Cada um a considera de seu ponto de vista e a explica a seu modo [...].

Essa “sanção racional” é a que advém da explicação dos fatos através da teoria. No parágrafo 34, após ressaltar a importância dos fatos na fundamentação da teoria, Kardec considera, por outro lado, que de dez pessoas novatas que assistam a uma sessão de experimentação espírita “nove sairão sem estar convencidas e algumas mais incrédulas do que antes, por não terem as experiências correspondido ao que esperavam”. Prossegue então Kardec:

O inverso se dará com as que puderem compreender os fatos, mediante antecipado conhecimento teórico. Paras estas pessoas, a teoria constitui um meio de verificação, sem que coisa alguma as surpreenda, nem mesmo o insucesso, porque sabem em que condições os fenômenos se produzem e que não se lhes deve pedir o que não podem dar. Assim, pois, a inteligência prévia dos fatos não só as coloca em condições de se aperceberem de todas as anomalias, mas também de apreenderem um sem número de particularidades, de matizes, às vezes muito delicados, que escapam ao observador ignorante. [2]

Em suma, uma apreciação semelhante pode ser feita da TCI e dos fenômenos de “quase-morte”: são áreas legítimas de investigação, mas de importância apenas relativa para o Espiritismo, estando longe de constituir bases sobre as quais deva apoiar-se, nem mesmo em nome de uma suposta cientificidade. Ademais, na pesquisa de tão complexos e delicados fenômenos não se pode prescindir do conhecimento espírita, arduamente adquirido, sem que se retroceda científica e filosoficamente.

Passando, por fim, à chamada “terapia de vidas passadas” (TVP),[3] saliento de início que as considerações filosóficas que vêm de ser tecidas acerca das duas outras abordagens aplicam-se, mutatis mutandis, também a ela. A possibilidade do fenômeno de regressão de memória está estabelecida há muito nos anais do Espiritismo, desde a obra de Kardec. Fenômenos desse tipo podem ser relevantes para a comprovação da existência do espírito, da reencarnação e da lei de causa e efeito, entre outros pontos importantes. Não são, todavia, determinantes, e sua complexidade só pode ser decifrada à luz da teoria espírita. Mais uma vez, aquilo que se observa nesse campo é passível de interpretações múltiplas, e a ausência de uma teoria sólida pode reduzir seu estudo a um empirismo anti-científico, propiciador de equívocos e ilusões. O terreno para os adversários do Espiritismo ficaria, assim, aplainado.

O que singulariza a proposta da TVP são suas implicações éticas. Constatada a possibilidade do fato, Kardec tratou de aprofundar esse aspecto, como costumava fazer em todas as suas investigações científicas. Assim é que encontramos seções com o título “Esquecimento do passado” tanto em O Livro dos Espíritos (cap. 7 da segunda parte, questões 392 a 399) como em O Evangelho Segundo o Espiritismo (cap. 5, n. 11). A leitura a reflexão sobre o rico conteúdo desses textos é indispensável a quem quer que se interesse pelo assunto e se preocupe em evitar passos em falso.

Tentando uma difícil síntese, diria que, embora possível enquanto fenômeno, a recordação explícita do passado foi providencialmente velada por um mecanismo natural relativo à encarnação. Interferir deliberadamente nesse mecanismo pode significar a violação de uma lei natural, e isso não se faz sem as correspondentes conseqüências. Vejamos estas palavras de Kardec na citada seção de O Evangelho Segundo o Espiritismo: [4]

Em vão se objeta que o esquecimento constitui obstáculo a que se possa aproveitar da experiência de vidas anteriores. Havendo Deus entendido de lançar um véu sobre o passado, é que há nisso vantagem. Com efeito, a lembrança traria gravíssimos inconvenientes. Poderia, em certos casos, humilhar-nos singularmente, ou, então, exaltar-nos o orgulho e, assim, entravar o nosso livre-arbítrio. Em todas as circunstâncias, acarretaria inevitável perturbação nas relações sociais.

Freqüentemente, o Espírito renasce no mesmo meio em que já viveu, estabelecendo de novo relações com as mesmas pessoas, a fim de reparar o mal que lhes haja feito. Se reconhecesse nelas as a quem odiara, quiçá o ódio se lhe despertaria outra vez no íntimo. De todo modo, ele se sentiria humilhado em presença daquelas a quem houvesse ofendido.

Para nos melhorarmos, outorgou-nos Deus, precisamente, o de que necessitamos e nos basta: a voz da consciência e as tendências instintivas. Priva-nos do que nos seria prejudicial.

Ao nascer, traz o homem consigo o que adquiriu, nasce qual se fez; em cada existência, tem um novo ponto de partida.

Pouco lhe importa saber o que foi antes: se se vê punido, é que praticou o mal. Suas atuais tendências más indicam o que lhe resta a corrigir em si próprio e é nisso que deve concentrar-se toda a sua atenção, porquanto, daquilo de que se haja corrigido completamente, nenhum traço mais conservará. As boas resoluções que tomou são a voz da consciência, advertindo-o do que é bem e do que é mal e dando-lhe forças para resistir às tentações.

Diversos autores espíritas, tanto encarnados como desencarnados, têm escrito sobre o tema ao longo dessas mesmas linhas. Entre eles inclui-se Emmanuel, que, em conhecida página psicografada em 1991 por Chico Xavier, desenvolve graves considerações relativas à recordação induzida do passado (ver referências).

Quando a recordação ocorra espontaneamente, obedecerá por certo a uma determinação útil, sendo freqüentemente controlada por Espíritos superiores. (Ver O Livro dos Espíritos, comentário à questão 399.) Tais Espíritos têm o poder de penetrar minuciosamente o passado das pessoas envolvidas num determinado problema e, avaliando com segurança a conveniência de uma recordação mais explícita por parte dessa ou daquela, podem promovê-la por recursos que lhes são próprios. No entanto, isso se dá em geral durante o sono (se a pessoa estiver encarnada), como se relata em algumas obras mediúnicas confiáveis. (Aliás, na seqüência do texto supracitado Kardec alude à naturalidade com que a recordação ocorre durante o sono.) Ao despertar, o ser guardará intuição mais ou menos vaga do que se passou, podendo aproveitar a experiência em seu benefício.

Ora, parece temerário adaptar esses procedimentos levados a efeito no mundo espiritual para o nosso plano de ação. Primeiro, em geral não dispomos das necessárias informações prévias acerca do passado do “paciente”. Depois, nem sempre teríamos o discernimento suficiente para processar essas informações e decidir o melhor curso a seguir. Além disso, poderemos não ter as técnicas adequadas para promover a regressão na medida e nas condições certas. E, por fim, não contamos com a proteção natural do esquecimento parcial que o retorno ao corpo denso propicia.

Em conclusão, parece sensato a nós espíritas acatarmos as recomendações de Kardec e Emmanuel, entre outros Espíritos lúcidos que se manifestaram sobre o tema. Enquanto não ascendermos a mundos superiores, nos quais a recordação do passado se apresente sem inconvenientes (ver questões 394 e 397 do Livro dos Espíritos), substituamos essa prática pela terapia espírita: aquela que se baseia na observação de nossas tendências instintivas, na aplicação da receita evangélica para a superação do homem velho e viciado que existe em nós, e para a edificação de um homem capaz de viver e distribuir o amor, o equilíbrio e a paz em suas múltiplas expressões.

* * *

Encerrando esta série, o próximo artigo ressaltará a necessidade de se prosseguir no desenvolvimento das pesquisas científicas espíritas ao longo das linhas traçadas pelo próprio programa espírita de investigação iniciado por Kardec, em integração com os outros aspectos do Espiritismo.

Referências:

(Alguns desses artigos encontram-se disponíveis no site do Grupo de Estudos Espíritas da Unicamp: http://www.geocities.com/Athens/Academy/8482.)

CHAGAS, A. P. “O que é a Ciência?”, Reformador, março de 1984, p. 80-83 e 93-95.
––. “O Espiritismo na Academia?”, Revista Internacional de Espiritismo, fevereiro de 1994, p. 20-22 e março de 1994, p. 41-43 .
––. “A ciência confirma o Espiritismo?”, Reformador, julho de 1995, p. 208-11.
CHIBENI, S. S. “Espiritismo e ciência”, Reformador, maio de 1984, p. 144-47 e 157-59.
––. “A excelência metodológica do Espiritismo”, Reformador, novembro de 1988, p. 328-333, e dezembro de 1988, p. 373-378.
––. “Ciência espírita”, Revista Internacional de Espiritismo, março 1991, p. 45-52.
––. “O paradigma espírita”, Reformador, junho de 1994, p. 176-80.
EMMANUEL. Regressão de memória. Texto psicografado por F. C. Xavier em 30/6/1991. Publicado em A Voz do Espírito, setembro de 1991, p. 1.
FREITAS, J. “Transcomunicação: De volta às mesas girantes”. A Voz do Espírito, novembro 1990, p. 1-2.
KARDEC, A. O Livro dos Espíritos. Trad. de Guillon Ribeiro. 43a ed., Rio de Janeiro, Federação Espírita Brasileira, s.d.
––. Le Livre des Médiums. Paris, Dervy-Livres, 1972. (O Livro dos Médiuns. Trad. Guillon Ribeiro, 46a ed., Rio de Janeiro, Federação Espírita Brasileira, s.d.)
––. O Evangelho Segundo o Espiritismo. (Trad. Guillon Ribeiro.) 113a ed., Rio, FEB.
XAVIER Jr., A. L. Será que algum dia os aparelhos eletrônicos vão substituir os médiuns? A Voz do Espírito, ano 9, n. 90, março/abril 1998, p. 5.

Notas

[1] O conteúdo da primeira parte deste texto corresponde, com algumas adaptações, a parte de entrevista concedida por mim ao GEAE (Grupo de Estudos Avançados de Espiritismo), pioneiro na divulgação do Espiritismo pela Internet. A entrevista foi publicada no Boletim n. 300 (edição extra), que circulou em 7/7/1998, podendo ser encontrado no site http://www.geae.org. Gostaria de agradecer ao GEAE a anuência para o aproveitamento desse material nesta série de artigos. Sou especialmente grato a Ademir L. Xavier Jr., pela iniciativa da entrevista e por haver lido uma versão preliminar deste artigo. Sou grato ainda a Carlos A. Iglesia Bernardo, que reuniu as relevantes e oportunas questões.
[2] Essas passagens e outras correlacionadas são analisadas na seção 2 do artigo “A excelência metodológica do Espiritismo”, citado nas referências bibliográficas.
[3] Alguns adeptos preferem dizer “terapia de vivências passadas”, na tentativa de evitarem o compromisso com a tese da reencarnação. Abrigam-se, assim, sob uma perspectiva demasiadamente genérica, que contribui, malgrado sua intenção, para distanciar ainda mais seus estudos de uma legítima cientificidade.
[4] Os destaques são meus. É interessante notar que este trecho foi adaptado do comentário à questão 394 do Livro dos Espíritos.

Artigo publicado em Reformador, dezembro de 1999, pp. 380-383.

Leitura  Recomendada;

AS PROVAS CIENTÍFICAS
CIÊNCIA ESPÍRITA
A PESQUISA CIENTÍFICA ESPÍRITA
AS RELAÇÕES DA CIÊNCIA ESPÍRITA COM AS CIÊNCIAS ACADÊMICAS
A “CIÊNCIA OFICIAL”
A RELIGIÃO ESPÍRITA
REVISÃO DA TERMINOLOGIA ESPÍRITA?
O ESPIRITISMO EM SEU TRÍPLICE ASPECTO: CIENTÍFICO, FILOSÓFICO E RELIGIOSO 1
POLISSEMIAS NO ESPIRITISMO
AS ACEPÇÕES DA PALAVRA ‘ESPIRITISMO’ E A PRESERVAÇÃO DOUTRINÁRIA
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES OPORTUNAS SOBRE A RELAÇÃO ESPIRITISMO-CIÊNCIA
POR QUE ALLAN KARDEC?
O PARADIGMA ESPÍRITA
A EXCELÊNCIA METODOLÓGICA DO ESPIRITISMO
http://espiritaespiritismoberg.blogspot.com.br/2015/01/a-excelencia-metodologica-do-espiritismo.html

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

SONAMBULISMO x HIPNOSE


Adilson Mota
adilsonmota1@gmail.com


A dificuldade de aceitação da existência do fluido magnético invisível à visão comum é, ainda hoje, obstáculo à compreensão da eficácia e do funcionamento do passe. Sendo o sonambulismo produto do magnetismo, também entra neste rol.

Após todas as negativas aos fenômenos magnéticos, dentre eles o sonambulismo, a dupla vista e o êxtase, empreendidas pelo ceticismo vigente desde o século XVIII, e todos os esforços dos magnetizadores sérios em multiplicar provas, os negadores tiveram que aceitar a existência dos fenômenos, todavia, buscaram novas argumentações a fim de alijar a existência do fluido como causa dos mesmos.

Ao ir-se encontrar com o conhecido magnetizador Charles Lafontaine, em 1841, James Braid não acreditava em qualquer coisa relacionada ao Magnetismo. Porém, após presenciar os feitos daquele magnetizador, não teve mais dúvidas, os fenômenos eram reais. Entretanto Braid deu-lhes outra explicação, destituindo os fluidos como causadores dos mesmos. Para ele, o sonambulismo era provocado pela vontade do operador que, mesmo sem querer ou perceber, influenciava o doente através da sugestão explícita ou implícita.

Nascia assim a hipnose, nome cunhado por Braid para explicar os fenômenos provocados pelos magnetizadores. Com este nome, apesar de mutilado em um dos seus componentes principais – o fluido, o Magnetismo adentrou a academia médica e científica. Foi aceito pelos nomes mais respeitáveis da época em termos de intelecto.

Em Mesmer - A ciência negada e os textos escondidos, Paulo Henrique de Figueiredo transcreve interessante episódio envolvendo o pai do Magnetismo (Franz Anton Mesmer). Sabendo que Mesmer conseguia produzir convulsões em epilépticos sem que eles soubessem, separados por uma parede, Seifert procura-o pedindo uma prova dessa ação. Coloca-se Mesmer a certa distância da parede do lado oposto da qual se encontrava um enfermo. Enquanto isto, Seifert posiciona-se à porta para observar alguma mudança no estado do doente.

“Anton Mesmer, com naturalidade, fez diversos movimentos retilíneos dum lado para o outro, com o dedo indicador da mão esquerda, na direção presumida do enfermo, que começou logo a queixar-se, apalpando as costas e parecendo sofrer um incômodo.” O enfermo relata a Seifert que não se sente bem e que tudo oscila de um lado a outro. Mesmer muda o movimento fazendo-o em círculos. Logo o doente diz estar sentindo que tudo dá voltas como num círculo. Quando cessa os movimentos, o paciente declara que nada mais sente. 

Experiências como estas foram realizadas em grande quantidade por Mesmer e, principalmente, pelos magnetizadores que o sucederam.

Completa o autor do livro: “As circunstâncias do fenômeno remetem a uma atuação à distância por meios não materiais: ausência de contato inclusive visual entre o paciente e Mesmer, distância entre eles, situação inesperada, movimentos aleatórios e desconhecidos do paciente, variação e repetição dos fenômenos, todos com resultados positivos. A experiência, se repetida em condições controladas e registradas, e apuradas estatisticamente, comprovariam cientificamente a atuação à distância, por meios não materiais, da influência do magnetizador sobre o magnetizado”.


Braid não estava errado ao afirmar a possibilidade de se provocar determinados fenômenos utilizando a sugestão verbal, quando colocado o sujet em transe. Tanto é que a hipnose é utilizada até hoje em consultórios psicológicos, odontológicos e outros, tendo servido ainda a Sigmund Freud na formulação inicial da Psicanálise. Porém, esta é apenas uma parte da verdade. Estava comprovada a atuação magnética através das inúmeras demonstrações efetuadas pelos magnetizadores.

Em verdade, o magnetizador ao operar sobre um doente não deixa de utilizar em certos casos a sugestão, que, alicerçada no bom senso pode ser de grande valia para a recuperação dos doentes. Uma palavra de otimismo, um gesto de confiança, uma atitude de generosa receptividade, os quais fazem parte do chamado magnetismo pessoal, são formas de sugestão que não deixam de exercer efeitos salutares sobre a mente do enfermo, fazendo-o trabalhar pela sua própria recuperação. Isto não quer dizer que a ação fluídica não exista tanto no que diz respeito às curas pelo Magnetismo quanto na origem do sonambulismo. O próprio James Braid reconhece não ter conseguido realizar através do hipnotismo certos efeitos corriqueiros para os magnetizadores como “ler a hora num relógio colocado por detrás da cabeça ou na cavidade epigástrica, ler cartas dobradas ou um livro fechado, reconhecer o que se passa à distância de alguns quilômetros, adivinhar a natureza das enfermidades e indicar-lhes o tratamento sem possuir conhecimentos médicos, magnetizar sonâmbulos na distância de muitos quilômetros, sem que eles tenham conhecimento da operação que se propõem a fazer”. (MICHAELUS, Magnetismo Espiritual)

As práticas com o sonambulismo magnético quase que desapareceram, mesmo no meio espírita. A despeito da importância que o codificador do Espiritismo deu a este fenômeno como sendo “a prova irrecusável da existência e da independência da alma”, desprezamos o seu estudo teórico e prático relegando-o a segundo plano. Por outro lado, a hipnose sobrevive ainda hoje em alguns meios. É utilizada como recurso para algumas poucas abordagens psicológicas e é citado timidamente no meio acadêmico. Fala-se do sonambulismo magnético como algo desprovido de senso científico, enfatizando-se a sugestão hipnótica como sendo a única expressão da verdade.

Os magnetizadores clássicos ao atuarem sobre o sonâmbulo também utilizavam a sugestão. Mesmo permanecendo o magnetizador em completo silêncio durante todo o experimento, ainda assim havia uma sugestão mental representada pela sua intenção de magnetizar e colocar em estado sonambúlico o outro sujeito da experiência.

Por outro lado, os hipnotizadores, mesmo contemporâneos, utilizam o magnetismo de maneira indireta, à sua revelia. Ao se aproximarem daquele que será hipnotizado, ao desejarem colocá-lo em transe ou quando lhe sugerem o relaxamento, natural e automaticamente os seus fluidos se movimentam em direção àquele que é o alvo da hipnose, principalmente quando já possuem uma certa experiência. A magnetização involuntária é bem mais restrita, obviamente, pelo fato de não haver a intencionalidade.

É interessante ressaltar a respeito de uma técnica hipnótica que consiste em fazer uma leve pressão com o polegar sobre a testa do hipnotizado. Este contato sobre a fronte do sujet produz uma magnetização que facilita o transe.

Vemos assim que tanto no sonambulismo magnético  quanto na hipnose há, geralmente, dois elementos consorciados, o fluido magnético e a sugestão, não significando que não possa haver o fenômeno sem a presença de um dos dois.

Sem a magnetização direta, apenas com o uso da sugestão, o fenômeno hipnótico no mais das vezes se torna superficial, sem haver um aprofundamento da condição hipnótica, fazendo com que o sujet demonstre possibilidades limitadas através do estado de transe. Como se sabe, o sonâmbulo desenvolve uma maior lucidez e readquire uma maior consciência, quanto menos influência receber do corpo físico. Quanto mais liberto da matéria, mais a alma se reapossa das suas faculdades.
Nesse estado particular pode ser instrumento pelo qual se pode aprender mais a respeito do Espírito imortal.

Além dos recursos diagnósticos e terapêuticos, a fenomenologia sonambúlico-hipnótica oferece imensas possibilidades no campo da pesquisa para uma melhor compreensão da mente humana e seus fantásticos potenciais provenientes do Espírito. Estudos sobre a reencarnação e sobre eventos históricos, ambos através da regressão de memória a encarnações passadas e estudos sobre os mecanismos da memória são apenas algumas das formas imagináveis de se buscar o conhecimento através dos fenômenos de emancipação da alma.

Deixar de lado tamanho benefício significa abdicar de um fabuloso recurso que a Providência Divina colocou ao nosso dispor para a prática da caridade e para o progresso espiritual.

Os magnetizadores que atuaram principalmente no século XIX, após a descoberta do sonambulismo magnético pelo Marquês de Puységur e todos os estudos e experimentos que se sucederam, aprenderam a usar o que eles chamaram de sugestão para auxiliar determinadas pessoas presas dos seus vícios morais ou de substâncias.
Aproveitavam a oportunidade que o estado sonambúlico lhes reservava e falavam ao indivíduo em transe, estimulando- o ao fortalecimento da própria vontade a fim de vencer as resistências impostas pelo vício ou por sua vontade fraca. 

Sabemos que o estado de transe requer um certo afrouxamento dos laços que prendem o Espírito ao corpo. Aliás, o desprendimento do Espírito é o que proporciona o transe ou estado alterado da consciência. Assim, o que era um ser integrado, torna-se dissociado, para utilizar o linguajar da Psicologia. O indivíduo ao relaxar ou focar a sua atenção em algo que pode ser um objeto ou um pensamento, reduz a atividade orgânica, fazendo com que o Espírito, não sendo requerida a sua presença naquela circunstância, aproveite a oportunidade para desligar- se momentaneamente, buscando usufruir de um pouco de liberdade. Quanto mais o Espírito se desligar do corpo físico, mais profundo será o transe e menos consciência haverá no corpo, visto que aquela pertence ao Espírito que, em desdobramentos mais profundos, condu-la consigo.

Entende-se assim o mecanismo da sugestão, visto que ela será submetida mais diretamente ao Espírito, com menor participação do organismo físico. Quanto menos influência deste sobre o Espírito, mais adesão haverá do indivíduo às sugestões que lhe foram dadas e que serão colocadas em prática depois que o sujeito sair do transe – os hipnotistas chamam de sugestão pós-hipnótica.

Pelo mesmo mecanismo se pode levar o sujet à regressão de memória, seja a uma fase anterior da vida presente ou a uma encarnação passada. Liberto parcialmente do corpo, o Espírito consegue acessar os arquivos psíquicos onde constam os registros mnemônicos. Não se localizando a memória na massa encefálica, consiste o cérebro apenas na máquina física que responde pelo ir e vir das informações da vida presente e, às vezes, de vidas anteriores.
Os psicoterapeutas que trabalham com este recurso, afirmam ser possível a regressão mesmo em transes superficiais. Porém, quanto mais o Espírito estiver liberto, mais rica será a experiência regressiva onde o indivíduo pode, ora lembrar-se do ocorrido, ora reviver aquele momento passado desta ou de outra vida como se fosse no presente, com todas as emoções e sintomas que isto ocasiona.

Mais que a hipnose, o sonambulismo magnético oferece a possibilidade de transes mais completos e profundos, tornando mais proveitoso o aprendizado.

Muito rica é a obra de Deus e a cada novo conhecimento maior se torna a nossa reverência ao Criador. À medida que adentramos a ciência do Espírito, mais compreendemos que o sonambulismo magnético e a sua irmã, a hipnose, são recursos para o crescimento da alma. Sigamos em frente, então, e não desdenhemos a oportunidade de conhecer, nos qualificando para melhor servir.



Fonte; JORNAL VORTICE - ANO VII, Nº 08 – Janeiro - 2015

Leitura Recomendada;
DESDOBRAMENTO ESPIRITUAL
OS FLUIDOS CATALEPSIA. RESSURREIÇÕES, A GÊNESE, CAPÍTULO XIV
SONAMBULISMO NA PRÁTICA
CAUSA E NATUREZA DA CLARIVIDÊNCIA SONAMBÚLICA (OBRAS PÓSTUMAS)
O QUE É VIAGEM ASTRAL
OS FENÔMENOS ANÍMICOS E O ESPIRITISMO
DUPLA VISTA
DESDOBRAMENTO, CORPOS ASTRAIS, CHAKRAS, AURA - (VÍDEOS)
http://espiritaespiritismoberg.blogspot.com.br/2012/09/desdobramento-corpos-astrais-chakras.html

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

AS RELAÇÕES DA CIÊNCIA ESPÍRITA COM AS CIÊNCIAS ACADÊMICAS


Questões acerca da natureza do Espiritismo - V

Silvio Seno Chibeni

Este artigo examina brevemente alguns aspectos das relações entre a ciência espírita e as ciências acadêmicas, destacando-se a esclarecida e firme postura de Allan Kardec a esse respeito.[1]

Questão:

Na época do surgimento do Espiritismo alguém que se dedicasse à pesquisa dos fenômenos mediúnicos e não se inclinasse a considerá-los como fantasias ou fraudes arriscava-se a cair em descrédito nos meios científicos e acadêmicos. Houve alguma mudança nessa postura? Ainda existe antagonismo entre ciência e espiritualismo? A ciência é necessariamente materialista?

Resposta:

Existe, como está implícito nas considerações feitas no artigo precedente, um certo grau de conservadorismo na “ciência-comunidade”, e as análises filosóficas contemporâneas reconhecem aí um requisito importante de uma ciência madura. A compreensão desse ponto paradoxal requer estudos especializados. Em alguns artigos sobre a ciência espírita (ver referências bibliográficas) procurei indicar o papel daquilo que o filósofo da ciência Imre Lakatos chamou de “heurística negativa” de uma ciência. Trata-se, de forma simplificada, da decisão metodológica explícita ou tácita dos membros de uma comunidade científica de preservar, tanto quanto possível, o núcleo de leis fundamentais de seu programa científico de pesquisa.

Lakatos argumentou convincentemente que sem essa política conservadora moderada e racional o desenvolvimento científico ficaria inviabilizado. É somente quando condições excepcionais se reúnem, envolvendo o fracasso sistemático do programa de pesquisa em resolver problemas teóricos e de ajuste empírico que o núcleo do programa é revisto ou rejeitado. Na atividade normal da ciência os ajustes e desenvolvimentos teóricos se dão em partes menos centrais da malha teórica, que Lakatos denominou de “cinturão protetor” de leis auxiliares.

Menciono isso para ressaltar que a relutância da comunidade científica em aceitar uma nova teoria sobre o ser humano, como é o caso do Espiritismo, é natural e esperada. Cumpre notar que o Espiritismo trata de coisas que escapam ao domínio das ciências ordinárias, cujo objeto de estudo são os fenômenos e leis pertinentes à matéria. Detenhamo-nos um pouco mais sobre esse ponto.

Um elemento central na análise da ciência é a distinção entre teoria, método e objeto de estudo. As diversas ciências distinguem-se entre si, em primeira instância, por seus objetos de estudo, os conjuntos de fenômenos que investigam. Fenômenos mecânicos, elétricos, magnéticos e nucleares, por exemplo, são do escopo da física; a formação e dissociação de moléculas constitui objeto de estudo da química; a vida, em muitas de suas expressões, é examinada pela biologia. Existem, naturalmente, pontos de contato, interseções e hibridações entre as ciências, mas isso não dilui a distinção fundamental entre elas.

Ora, dada a diversidade de objetos de estudo, haverá diferenças expressivas nos métodos e características teóricas das várias ciências. A identificação de elementos comuns entre elas é tarefa mais difícil do que à primeira vista parece, constituindo um tópico dos mais importantes da área da filosofia denominada filosofia da ciência.

Nos artigos mencionados procurei apresentar alguns traços importantes dessa disciplina, em conexão com o exame do aspecto científico do Espiritismo. Uma tese central neles defendida é que o Espiritismo, tal como estruturado por Allan Kardec, exibe todas as características de uma genuína ciência, à luz da filosofia da ciência contemporânea. Não se deve, porém, confundir o fato de o Espiritismo ser uma ciência com a suposição falsa de que ele é parte das ciências acadêmicas, que tratam de fenômenos referentes à matéria.

No parágrafo 7 da Introdução de O Livro dos Espíritos Kardec discorre lucidamente sobre o assunto, de uma perspectiva filosófica bem avançada para sua época, concluindo seguramente que “o Espiritismo não é da alçada da ciência”, isto é, das ciências acadêmicas. Retoma essa análise de forma mais extensa em O que é o Espiritismo, onde encontramos, por exemplo, este interessante raciocínio no capítulo I, segundo diálogo, seção “Oposição da ciência”:

As ciências vulgares repousam sobre as propriedades da matéria, que se pode, à vontade, manipular; os fenômenos que ela produz têm por agentes forças materiais.

Os do Espiritismo têm como agentes inteligências que possuem independência, livre-arbítrio e não estão sujeitas aos nossos caprichos; por isso eles escapam aos nossos processos de laboratório e aos nossos cálculos, e, desde então, ficam fora dos domínios da Ciência propriamente dita.

A Ciência enganou-se quando quis experimentar os Espíritos como o faz com uma pilha voltaica; foi mal sucedida, como devia ser, porque agiu pressupondo uma analogia que não existe; e depois, sem ir mais longe, concluiu pela negação, juízo temerário que o tempo se encarrega de ir emendando diariamente, como já fez com tantos outros [...].

As corporações científicas não devem, nem jamais deverão, pronunciar-se nesta questão; ela está tão fora dos limites do seu domínio como a de decretar se Deus existe ou não; é, pois, um erro tomá-las aqui por juiz.

No primeiro capítulo de A Gênese, parágrafo 16, Kardec salienta, a esse propósito, que estudando domínios diferentes e complementares “o Espiritismo e a ciência completam-se reciprocamente”.

A autonomia do Espiritismo com relação às ciências ordinárias parece estar suficientemente demonstrada (não aqui, neste breve resumo, evidentemente, mas nos extensos estudos feitos por Kardec e outros pensadores espíritas). Preocupa a incompleta percepção desse ponto por muitos espíritas em nossos dias, aqueles que pretendem, como dizem, “trazer a ciência para o Espiritismo”. Não se dão conta adequadamente de que o Espiritismo já constitui por si uma ciência independente e vigorosa, e que, ademais, a peculiaridade de seu objeto de estudo torna fora de propósito qualquer hibridação fundamental com as ciências da matéria. Há, é claro, áreas periféricas de contato, como por exemplo, o estudo das enfermidades psicossomáticas, onde pode e deve haver contribuições mútuas.

Não se deve confundir o que estou dizendo com as justificadas críticas já avançadas por Kardec a pessoas que, em nome da ciência ou não, julgam o Espiritismo sem haver examinado atentamente todos os fatos de que trata, bem como sua estrutura teórica. Isso é inadmissível filosófica e cientificamente. Tal atitude infelizmente continua sendo comum, inclusive nos meios acadêmicos. A especialização que caracteriza a formação científica parece mesmo favorecê-la, com também notou Kardec no referido item de O Livro dos Espíritos:

Aquele que se fez especialista prende todas as suas idéias à especialidade que adotou. Tirai-o daí e o vereis sempre desarrazoar, por querer submeter tudo ao mesmo cadinho: conseqüência da fraqueza humana.

Na pergunta formulada alude-se também à questão mais geral da posição da ciência acerca do espiritualismo. Conforme em outras palavras ressaltou Aécio Chagas em alguns de seus artigos mencionados na lista de referências, não faz muito sentido discutir se as ciências acadêmicas, enquanto conhecimento, são materialistas ou não. Foram concebidas expressamente para descrever e explicar exclusivamente os fenômenos materiais, não tendo nada a dizer sobre a disputa materialismo versus espiritualismo, que gira em torno da questão da existência de algo além da matéria.

Se se pergunta agora se a comunidade científica acadêmica é materialista ou não, a questão faz sentido, mas só admite resposta estatística, visto que a convicção pessoal de cada um de seus integrantes acerca desse problema filosófico não constitui critério necessário ou suficiente para a sua admissão na profissão. Parece certo que significativa parcela dos cientistas atuais é materialista, mas isso talvez apenas reflita o padrão geral de crença das sociedades nas quais mais prosperam as ciências, como sugere o Prof. Chagas.

Seja como for, nós espíritas não devemos nos inquietar com isso, como advertiu Kardec ainda no mesmo parágrafo de O Livro dos Espíritos, de onde extrairei mais este trecho, para concluir:

O Espiritismo é o resultado de uma convicção pessoal, que os cientistas, como indivíduos, podem adquirir, abstração feita de sua qualidade de cientistas [...].

Quando as crenças espíritas se houverem difundido, quando estiverem aceitas pelas massas humanas [...], com elas se dará com o que tem acontecido com todas as idéias novas que hão encontrado oposição: os cientistas se renderão à evidência. Lá chegarão, individualmente, pela força das coisas. Até então será intempestivo desviá-los de seus trabalhos especiais, para obrigá-los a se ocupar de um assunto estranho, que não lhes está nem nas atribuições, nem no programa. Enquanto isso não se verifica, os que, sem assunto prévio e aprofundado da matéria, se pronunciam pela negativa e escarnecem de quem não lhes subscrevem o conceito, esquecem que o mesmo se deu com a maior parte das grandes descobertas que fazem honra à Humanidade.

* * *
No próximo artigo será analisado brevemente o estatuto científico de algumas abordagens recentes de investigação de fenômenos espíritas.
Referências:

(Alguns destes artigos encontram-se disponíveis no site do Grupo de Estudos Espíritas da Unicamp: http://www.geocities.com/Athens/Academy/8482.)

CHAGAS, A. P. “O que é a Ciência?”, Reformador, março de 1984, p. 80-83 e 93-95.
––. “O Espiritismo na Academia?”, Revista Internacional de Espiritismo, fevereiro de 1994, p. 20-22 e março de 1994, p. 41-43 .
––. “A ciência confirma o Espiritismo?”, Reformador, julho de 1995, p. 208-11.
––. Ainda sobre as relações entre as ciências e o Espiritismo. (Submetido para publicação.)
CHIBENI, S. S. “Espiritismo e ciência”, Reformador, maio de 1984, p. 144-47 e 157-59.
––. “A excelência metodológica do Espiritismo”, Reformador, novembro de 1988, p. 328-333, e dezembro de 1988, p. 373-378.
––. “Ciência espírita”, Revista Internacional de Espiritismo, março 1991, p. 45-52.
––. “O paradigma espírita”, Reformador, junho de 1994, p. 176-80.
KARDEC, A. Le Livre des Esprits. Paris, Dervy-Livres, s.d. (O Livro dos Espíritos. Trad. de Guillon Ribeiro. 43a ed., Rio de Janeiro, Federação Espírita Brasileira, s.d.)
––. Qu'est-ce que le Spiritisme. Paris, Dervy-Livres, 1975. (O que é o Espiritismo. s. trad. 25a ed., Rio de Janeiro, Federação Espírita Brasileira, s.d.)
––. La Genèse, les Miracles et les Prédictions selon le Spiritisme.Paris, La Diffusion Scientifique, s.d. (A Gênese, os Milagres e as Predições segundo o Espiritismo. Trad. Guillon Ribeiro, 23a ed., Rio de Janeiro, Federação Espírita Brasileira, s. d.)

Notas

[1] O conteúdo do texto corresponde, com adaptações, a parte de entrevista concedida por mim ao GEAE (Grupo de Estudos Avançados de Espiritismo), pioneiro na divulgação do Espiritismo pela Internet. A entrevista foi publicada no Boletim n. 300 (edição extra), que circulou em 7/7/1998, podendo ser encontrado no site http://www.geae.org. Gostaria de agradecer ao GEAE a anuência para o aproveitamento desse material nesta série de artigos. Sou especialmente grato aos seus membros Ademir L. Xavier Jr., pela iniciativa da entrevista, e Carlos A. Iglesia Bernardo, por haver reunido as relevantes e oportunas questões.


Artigo publicado em Reformador, novembro de 1999, pp. 344-346.


Leitura  Recomendada;

AS PROVAS CIENTÍFICAS
CIÊNCIA ESPÍRITA
ALGUMAS ABORDAGENS RECENTES DOS FENÔMENOS ESPÍRITAS
A PESQUISA CIENTÍFICA ESPÍRITA
A “CIÊNCIA OFICIAL”
A RELIGIÃO ESPÍRITA
REVISÃO DA TERMINOLOGIA ESPÍRITA?
O ESPIRITISMO EM SEU TRÍPLICE ASPECTO: CIENTÍFICO, FILOSÓFICO E RELIGIOSO 1
POLISSEMIAS NO ESPIRITISMO
AS ACEPÇÕES DA PALAVRA ‘ESPIRITISMO’ E A PRESERVAÇÃO DOUTRINÁRIA
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES OPORTUNAS SOBRE A RELAÇÃO ESPIRITISMO-CIÊNCIA
POR QUE ALLAN KARDEC?
O PARADIGMA ESPÍRITA
A EXCELÊNCIA METODOLÓGICA DO ESPIRITISMO
http://espiritaespiritismoberg.blogspot.com.br/2015/01/a-excelencia-metodologica-do-espiritismo.html