segunda-feira, 10 de novembro de 2014

COMO ENTENDER A ORTODOXIA - PARTE II

Nelson Costa da Silva

A Doutrina dos Espíritos nos lança a uma ordem tão grandiosa de estudos, que este só pode ser feito por pessoas sérias, perseverantes, isentas de toda e qualquer prevenção e com uma vontade firme de se esclarecer. Não o podem aqueles que a seguem levianamente, que não dão aos estudos seqüência, regularidade ou a cautela necessária.

Aqueles que não queiram estudar, ou que aderem por aderir, aceitando tudo que se lhes apresenta como se espiritismo fosse, apenas para não perder a pose de homens de espírito, que se empenham em ridicularizar aos que tomam o estudo e as pesquisas como coisa séria, ou aqueles que tentam tornar como ridículo o esforço e a dedicação de se apresentar o Espiritismo em seu viés filosófico com as conseqüências morais, assim como o de demonstrar a utilidade para o avanço da ciência, que se calem em suas críticas inócuas; ninguém tenciona impor-lhes a mudança nas suas crenças espiritualistas, ninguém tenciona violentá-los nas suas convicções, mas que saibam, no entanto, respeitar a convicção dos que defendem a coerência doutrinária Espiritista.

O movimento que torna forte a manutenção da Ortodoxia dos Ensinamentos dos Espíritos é um movimento formado por pessoas comprometidas com a base desses ensinamentos, em toda a extensão das obras que compõem a Doutrina dos Espíritos. A coerência será defendida pela convicção de que o que está postulado ao longo da gênese do Espiritismo foi construído com a mais cuidadosa lógica e a mais apurada racionalidade, não havendo, até os dias atuais, alguém que pudesse contestar essa lógica ou que pudesse desacreditá-la com a razão.

Então dizem que o movimento em prol dessa Ortodoxia e que as pessoas concordantes com os avanços filosóficos e científicos do Espiritismo não passam de iludidos, retrógrados e fundamentalistas. Não se pode admitir a pretensão de alguns críticos que julgam ter o privilégio do bom senso e que, desrespeitando a decência ou o valor moral das pessoas que se aliam à idéia do movimento pela coerência e ortodoxia, os tacham, sem nenhuma cerimônia, de tolos todos aqueles que não estejam de acordo com as suas opiniões espiritualistas.

Aos olhos de todas as pessoas sensatas, ajuizadas, um movimento dessa natureza constituirá sempre um resgate aos fundamentos de base da Doutrina Espírita; constituirá sempre a propagação da coerência para as coisas do espírito, preservando as suas estruturas doutrinárias. E a esse movimento, faz-se mister salientar que a seu favor conta a lhe dar rumo e propósito, a atenção de homens sérios que não se dignam a propagar erros, enganos ou ilusões, e que não têm, também, tempo para perder com futilidades.

Quando se fala e se pratica a Ortodoxia Espírita é para combater, no terreno intelectual, o intenso e nocivo religiosismo e misticismo implantados, ao longo de mais de um século, ao movimento espírita atual. E combater não quer dizer atacar as pessoas que professam esse sistema de crença construído tal qual uma colcha de retalhos, ou rejeitar as pessoas que aderem a um espiritismo híbrido. O combate está proposto na divulgação e esclarecimentos coerentes com a base dos ensinamentos ditados pelos espíritos que compuseram a codificação Espírita. O combate está proposto na demonstração e fundamentação do atraso que causa ao indivíduo, quando não percebe a essência desses ensinamentos filosóficos, e quando não percebe o caráter progressista da Doutrina Espírita, ao ignorar o convite que a doutrina faz para que cada um a entenda em sua profunda filosofia e científica construção. A filosofia é a que dará ao indivíduo o suporte lógico e racional, para compreender os valores morais que alavancam a sua evolução e o seu progresso; e a ciência é a que dará ao indivíduo oportunidades, para que as experiências e as pesquisas das relações entre os mundos material e espiritual possam ser mais bem compreendidas.

Temos hoje o que identificamos como espiritismo híbrido, que é uma variação equivocada do Espiritismo como doutrina. Este [o Espiritismo] não se sustenta sob os pilares de nenhuma religião formal conhecida ou desconhecida. Ele é, especificamente, Filosofia de conseqüências morais e Ciência. Já aquele [o espiritismo híbrido] tem a lhe sustentar um pilar religioso, formal e sincrético, cuja base é a Igreja Católica Apostólica Romana. A criação do espiritismo híbrido, sincrético, com a fusão de dois elementos culturais antagônicos, na intenção de formar uma base de pensamento e prática sustentada num terceiro elemento, acabou formando uma mistura heterogênea, contraditória e paradoxal em si mesma. Enquanto um elemento [cultural] diz não à idolatria, o outro diz sim; enquanto um elemento diz não aos rituais, o outro diz sim; enquanto um elemento diz não à hierarquia, o outro diz sim; enquanto um elemento diz não às imagens e adorações personalizadas, o outro diz sim. O antagonismo cultural e filosófico só não é trágico, porque os interesses dos seus idealizadores superaram o desvio moral com a consciência doutrinária e ideológica.

Esse foi um passo fundamental e antidoutrinário de transformar o Espiritismo em religião – o espiritismo híbrido -, e fez com que os seus seguidores passassem a adorar e idolatrar Jesus e seus prepostos “santos”, colocando-os em patamar inalcançável, fazendo-os acreditar que assim encontrariam o caminho para a cura do sofrimento e das tragédias humanas. Num reduto cultural como o nosso, onde a religiosidade é latente, foram falácia e sofismas muito convenientes para agregar adeptos e lotar auditórios. É mais cômodo entregar os problemas nas "mãos" de Deus e crer que “Jesus salva". Entre todas as religiões podem-se distinguir, nesse panorama universal, quatro grandes tendências, na seguinte classificação: religiões de Integração, religiões de Servidão, religiões de Libertação e religiões de Salvação. Não é difícil saber e entender o porquê da escolha da religião de Salvação, para o sincretismo na Doutrina dos Espíritos. Para séculos de dominação religiosa, nada melhor do que se aliar. E o Espiritismo e a coerência são vilipendiados nos seus alicerces, pois não há movimentos significativos para a crítica e os consequentes esclarecimentos necessários aos adeptos menos esclarecidos.

Como se chegou a essa hibridez é um estudo que será apresentado em outra oportunidade. O interesse e o foco deste ensaio é o de demonstrar de que forma podemos e devemos entender a ortodoxia dos ensinamentos dos Espíritos, ou seja, a coerência da base doutrinária do Espiritismo. E para isso devemos considerar em primeira mão como análise dessa coerência, a fundamentação e a demonstração de o Espiritismo NÃO ser uma religião. E ao mesmo tempo e na mesma demonstração, fundamentar o equívoco perpetrado ao se concretizar, propagar e divulgar o espiritismo híbrido.

Quando Allan Kardec escreveu: "O Espiritismo é o futuro das religiões", muitas pessoas, notadamente aquelas que produziram e praticam o espiritismo híbrido, entenderam e defendem, ainda hoje e erradamente, que o codificador quisera dizer que o Espiritismo “é a religião do futuro”, porém Allan Kardec não tinha por hábito tropeçar intelectualmente na condução das suas idéias. Ele não poderia querer dizer aquilo que não dissera e não escrevera.

O codificador teve um cuidado muito grande para que as pessoas, ao terem contato com os postulados espíritas, entendessem que ali não se criava uma nova religião. E mesmo que não tivesse esse cuidado, a razão já levaria a essa conclusão. Os postulados da Doutrina são inconfundíveis. Mas Allan Kardec ia mais além; toda a vez que tinha oportunidade ou quando era confrontado com a afirmação de que o Espiritismo surgia como mais uma religião, ele, prontamente, rebatia a equivocada compreensão da Doutrina dos Espíritos. Uma das provas nós encontramos na Revista Espírita de maio de 1859, quando da refutação de um artigo do jornal O Universo, no número de 13 de abril daquele mesmo ano, que continha o artigo do senhor abade Chesnel onde a questão do Espiritismo foi longamente discutida, mas que não deixou de ter um erro grave, segundo Allan Kardec, que ele tratou, prontamente, de refutar. O codificador reportava à parte onde o artigo intitulava o Espiritismo como “Uma religião nova em Paris”, e como resposta disse ao longo de sua explanação ao abade:

“Seu verdadeiro caráter é, pois, o de uma ciência e não de uma religião, e a prova disso é que conta, entre seus adeptos, com homens de todas as crenças, e que por isso não renunciaram às suas convicções: os católicos fervorosos que não praticam menos todos os deveres de seu culto, protestantes de todas as seitas, israelitas, muçulmanos e até budistas e brâmanes; há de tudo, exceto materialistas e ateus, porque essas idéias são incompatíveis com as observações espíritas.”

(...)

“O Espiritismo não é, pois, uma religião: de outro modo teria seu culto, seus templos, seus ministros. Cada um, sem dúvida, pode se fazer uma religião de suas opiniões, interpretar ao seu gosto as religiões conhecidas, mas daí à constituição de uma nova Igreja, há distância, e creio que seria imprudente dar-lhe a idéia.”

(...)

“A Sociedade, da qual falais, definiu seu objetivo por seu próprio título; o nome de: Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas não se parece com nada de uma seita; tem-lhe tampouco caráter, que seu regimento lhe interdita ocupar-se de questões religiosas; ela está alinhada na categoria de sociedades científicas porque, com efeito, seu objetivo é estudar e aprofundar todos os fenômenos que resultam das relações entre o mundo visível e o mundo invisível;”

Allan Kardec ainda disse mais: que o Espiritismo não formava homens ateus, mas isso não implicava, de modo algum, que aqueles que o seguissem fossem novos formandos religiosos. (grifo meu)

Como conseqüência filosófica o Espiritismo não nega Deus, não nega a alma, nem a sua individualidade após a morte do corpo físico, nem nega o livre arbítrio do homem, não nega as penas ou as recompensas futuras e, se os negasse, poderia ser considerada uma doutrina imoral. Ao contrário, o Espiritismo prova, não pela fé cega, mas pelos fatos, todas as bases fundamentais da religião, para demonstrar que o mais perigoso inimigo do homem é o materialismo. Ele ensina, pela resignação, a suportar dores e misérias da vida, minorando o desespero; ensina sobre o perdão e sobre o amor.

Então percebemos o acerto na afirmativa de Allan Kardec quando vaticinou ser o Espiritismo “o futuro das religiões”, pois, sem ser este uma religião vem para desempenhar o papel que as religiões omitiram, ao enunciar todas as consequências reservadas ao Espírito com clareza, raciocínio e lógicas irrefutáveis. Tornou claro aquilo que estava obscuro e tornou evidente aquilo que era duvidoso. O Espiritismo, sem ser uma religião, deveria ser uma ferramenta de conhecimento obrigatória para todas elas, pois ao invés de acompanhar impotente a perdição de almas, ele salva almas.



Deixar a Doutrina dos Espíritos em seu estado genésico e básico é de fundamental importância para o resgate do processo de evolução e progresso dos espíritos. Seguir a coerência com que o compêndio Espírita foi formulado é demonstrar sabedoria e lucidez intelectual. O Espiritismo é progressista pela natureza das suas bases e pelos seus objetivos, já que se sustenta nas Leis Divinas e Naturais. Aquilo que a ciência revelar, o Espiritismo dará curso, conforme orientações e esclarecimentos dos Espíritos da codificação, ao sugerirem que muitas coisas ainda não nos foram dadas conhecer, mas que a ciência se ocupará delas. E é para isso que devemos trabalhar, pelo esclarecimento e pelas pesquisas, e acima de tudo pela compreensão correta do que é o Espiritismo, ou a Doutrina dos Espíritos.

Fonte; NEFCA - NÚCLEO ESPÍRITA DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS APLICADAS


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